FIRE Jovem - Afinal, Previdência Privada PGBL vale a pena? - Parte I: Panorama

14 de janeiro de 2022

 Olá, caro leitor.


Este será um post de libertação e recheado de informações. Se você nunca passou por aqui sugiro que dê uma lida na minha Apresentação, no meu plano para a Independência financeira e nos meus Princípios de Investimento.


Bom, depois de algumas discussões com homens teimosos na casa dos 50 anos (leia-se: meu pai e pai da namorada) decidi colocar tudo na ponta do lápis (na verdade foi no Excel) para responder à derradeira pergunta: Afinal, previdência privada vale a pena?





Antes de entrarmos nos cálculos pra valer, gostaria de ressaltar que eu procurei nos cafundós do Google, YouTube e blogosfera em busca de uma planilha para conseguir simular de forma correta (e não enviesada por um banco/seguradora) em quais casos a previdência privada, mais especificamente o PGBL, vale a pena. Como o perspicaz leitor deve ter percebido, eu não encontrei a tal planilha, portanto deixo registrado que em pleno 2021 ainda faltava essa peça do quebra-cabeça na internet brasileira (também existe a chance de eu ser um incapaz fazendo buscas online, mas deixemos essa de lado). Para não ser completamente injusto, encontrei dois posts de 2009 no blog Viver de Renda, no entanto eram posts mais amplos, sem detalhar os cálculos exatos por trás das afirmações (ainda que bom posts). Aos demais blogueiros que fizeram posts semelhantes (ou mesmo criaram a tal planilha) deixo aqui minhas sinceras desculpas.


1. INTRODUÇÃO


Enfim, a previdência privada é mais um desses assuntos delicados que conta com dois lados beligerantes: de uma lado há os que juram de pé junto que este é o melhor investimento possível e que você deveria correr o mais rápido possível para fazer uma. Do outro, há os que dizem que previdência privada é mais uma forma do banco comer seu dinheiro com altas taxas de administração e que é uma classe de investimentos que sequer deve ser considerada. Como é de praxe em (quase) toda polêmica, a resposta correta mora longe dos extremos e há uma série de fatores a serem analisados antes de saber se a previdência é um investimento que vale a pena.


Para que este post não fique longo demais vou assumir que todos já tem uma boa noção da diferença entre PGBL e VGBL e qual a diferença entre os modelos de tributação (regressivo x progressivo).  O quadro abaixo resume brevemente as diferenças nos tipos de plano:

FIRE Jovem  Fonte: https://tributario.com.br/karoline-anacleto-pozzer/__trashed-7/


Basicamente, há duas diferenças mais importantes: 

1) Tributação, pois no PGBL a tributação incide sobre o total investido e no VGBL ela incide apenas sobre o lucro como nos demais investimentos.

2) Benefício fiscal, pois o PGBL permite ao contribuinte abater o valor investido no plano de previdência de sua renda bruta, reduzindo o valor pago no imposto de renda (no VGBL não temos essa alternativa).


Vale lembrar que a alíquota do imposto pago sobre o PGBL ou VGBL será a mesma para um mesmo regime de tributação (p. ex: se você escolher a tributação regressiva, você irá pagar uma alíquota de 10% de imposto após 10 anos independente do plano escolhido, a diferença é que no PGBL o imposto incide sobre o valor total e no VGBL apenas sobre os lucros).


VGBL, um caso perdido  - O único benefício do plano VGBL sobre os investimentos comuns em ações/FII/renda fixa está na tributação sobre o lucro, pois se você optar pela tabela regressiva irá pagar apenas 10% sobre o lucro após 10 anos (ante 15% para a maioria dos investimentos). No entanto, se uma boa parte do seu portfólio próprio estiver investido em ações, você pode obter o benefício de vender até R$ 20.000 por mês (mesmo com lucro) e não pagar nada de imposto, o que não é possível em um plano VGBL. Além disso, se levarmos em conta que os planos de previdência privada costumam ter altas taxas de administração e carrego, este pequeno benefício fiscal normalmente se torna nulo quando colocamos tudo na balança. Eu sei que não foi a melhor explicação do mundo para excluirmos o VGBL da brincadeira, mas nesta série de posts vamos deixá-lo de lado e focarmos em quem realmente importa: o PGBL. Antes disso, façamos um breve resumo de previdência privada no Brasil.


2. UM PANORAMA DA PREVIDÊNCIA PRIVADA NO BRASIL


Lembra que falei que tem uma galera que diz que a previdência privada serve só pro bancos arrancarem sua grana? Bom, eles tem um ponto. Os dados que apresentarei a seguir foram retirados do Relatório Gerencial de Previdência Complementar, publicado em Agosto de 2021. 

Então vamos lá, em 2020 no Brasil havia cerca de 16,7 milhões de contribuintes em planos de previdência. Em agosto de 2021 o patrimônio total gerido pelos planos de previdência complementar atingiu R$ 2,24 Trilhoes, o que representa 28% do PIB nacional.  Estes contribuintes estão divididos em 3 grandes tipos de planos: 

1) Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC): são os planos aos quais qualquer pessoa pode aderir, normalmente distribuídos por bancos, seguradoras e instituições financeiras abertas. Este tipo abrange aproximadamente 59% do total de contribuintes.

2) Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC): são os planos fechados, normalmente oferecidos por empresas privadas aos seus funcionários, são os chamados Fundo de Pensão. Eles englobam cerca de 22% do total de contribuintes com planos complementares.

3) Contratos Coletivos (EAPC): são contratos coletivos geridos por instituições abertas e representam cerca de 19% do total de contribuintes.

FIRE Jovem - Evolução do nº de contribuintes por tipo de plano complementar


Se eu tivesse que adivinhar se a maioria do patrimônio destes planos está investido em VGBL ou PGBL, eu provavelmente diria que são os planos PGBL, uma vez que são os mais indicados para contribuintes com alta renda e dão o benefício fiscal de 12% do IR. No entanto o que se observa é justamente o contrário: 78% do patrimônio das EAPC está investido em planos do tipo VGBL e somente 16% está nos PGBL (o resto está nos chamados Planos Tradicionais).

Agora vamos para os dados que são realmente importantes no que tange à decisão do investimento: taxas e rentabilidades históricas. Os principais argumentos que pesam contra os planos de previdência privada estão intimamente relacionados a essas métricas, eles dizem que a maioria (senão todos) planos tem altas taxas e rentabilidades medíocres. Mas será que isso se observa na prática? Vejamos:

2.1 Taxa de Administração

A taxa de administração é completamente diferente quando falamos de planos fechados e planos abertos. Via de regra, as taxas dos planos fechados são muito menores (Fundos de Pensão), o problema é que são poucos os que têm acesso a este tipo de plano. A ampla maioria dos brasileiros só pode investir nos planos abertos, e é aí que o bicho pega.  A taxa média de administração dos planos de previdência privada abertos é de 1,3% ao ano, em contrapartida, a taxa média dos planos fechados é de apenas 0,27% ao ano, uma é quase cinco vezes maior que a outra. Como veremos a seguir, isso tem um impacto direto sobre a rentabilidade dos planos de previdência.

No gráfico a seguir você pode ver a evolução das taxas de administração dos planos de previdência abertos. Note que para a maioria das curvas praticamente não houve redução na taxa de administração de 2012 para cá, ou seja, ainda temos muito o que evoluir para ter planos que realmente se preocupam com o futuro dos seus contribuintes. 



2.2 Rentabilidade

Um inocente no mercado financeiro poderia pensar: "se os planos aberto cobram taxas de administração maiores deve ser porque eles têm melhores gestores e entregam melhores resultados, certo?". Bem, não é bem assim. Na realidade (e como já foi demonstrado em inúmeros estudos), altas taxas de administração tendem a gerar retorno menores ao investidor. A razão é meio óbvia: uma maior taxa paga ao banco significa um investimento menor e uma rentabilidade menor. Ou seja, na média, a habilidade do gestor não faz tanta diferença assim, o mais importante é buscar pelas menores taxas possíveis. Especialmente levando em conta que 74% do patrimônio dos planos abertos e 55% do patrimônio dos planos fechados está investido em títulos do Tesouro Público, coisa que o investidor comum pode fazer e obter uma rentabilidade semelhante.

Agora vamos aos números:

FIRE jovem - rentabilidade acumulada planos de previdência privada (2012-2021)

É, meus amigos, fez-se o óbvio: os planos abertos (que possuem maiores taxas) têm as menores rentabilidades médias (inclusive abaixo do CDI e igual ao Bovespa em uma década perdida e pós-covid). A diferença entre os planos fechados e abertos e de quase 2,6% ao ano! Ou seja, além de cobrarem taxas maiores, os planos abertos têm gestores menos competentes aparentemente. É perturbador o fato da média dos planos abertos não bater sequer o CDI no período. 

Por outro lado, os planos fechados se mostraram uma alternativa de investimento bastante rentável, alcançando uma média de 10,5% ao ano. Para efeito de comparação, essa seria uma rentabilidade próxima do índice IPCA + 5% ao ano no período analisado, sem dúvidas é uma classe interessante, no entanto, como mencionei, só é possível ter acesso a estes planos se você trabalhar em uma empresa com fundo de pensão.

No gráfico abaixo vemos a rentabilidade acumulada dos planos abertos dividida por classe de investimento do plano:

FIRE Jovem - Rentabilidade Acumulada, planos de previdência abertos


Notem que nem mesmo a melhor categoria dos planos abertos (Ações Ativo) conseguiu superar a média dos planos fechados. Outro ponto de destaque é que o plano de ações ativo superou o índice bovespa no período (109% BOVA  x 138% gestão ativa), mas é necessário entender a relação risco-retorno destes planos, além de considerar o fato de não ter direito à venda isenta de impostos até R$ 20.000/mês.


2.3 Alocação


Como mencionei acima, a maior parte dos investimentos dos planos de previdência complementar está alocada em Títulos do Tesouro Direto, assim, é provável que um investidor comum consiga obter rentabilidades semelhantes aos planos de previdência desde que também faça sua alocação nos Títulos. É claro que há outras variáveis, como o market timing e a proporção entre pré e pós-fixado na carteira. No entanto, se levarmos em conta que o mercado de títulos é aproximadamente eficiente, é bastante provável que o investidor comum que compra títulos mensalmente consiga se aproximar da rentabilidade média do gestor de um plano de previdência que investe somente em títulos.

A tabela a seguir traz o patrimônio investido (em trihões) por classe de ativo para todos os planos de previdência privada de 2012 a 2021, bem como o percentual do patrimônio alocado por classe de ativo para todos os planos, planos abertos e planos fechados. 

FIRE jovem - Alocação total dos planos de previdência privada


Portanto, cerca de 80% do capital de todos os planos de previdência está alocado unicamente em Renda Fixa (Tesouro + outros), para os planos abertos a alocação em renda fixa chega a incríveis 92,5%, some a isso as altas taxas de administração e carregamento e está explicado porque muita gente tem aversão á pevidência privada. Nota-se também a maior alocação em renda variável nos planos fechados, bem como uma maior diversificação em outras classes de ativos (outros e imóveis), essa maior diversificação com relação aos planos abertos pode ser o fator que falta para explicarmos as diferenças de rentabilidade entre os planos.

O gráfico a seguir traz a evolução do patrimônio dos planos de previdência complementar (abertos e fechados) divido por classe de ativo de 2012 a 2021:

FIRE Jovem - evolução da alocação de patrimônio dos planos de previdência fechados e abertos (2012-2021)


3. CONCLUSÃO

Bom, para resumir bem o conteúdo deste post: 

  1. Normalmente os planos VGBL não valem a pena pois possuem uma pequena vantagem fiscal no modelo de tributação regressiva mas que não compensa as altas taxas de administração (e consequente baixa rentabilidade).
  2. A previdência complementar é um investimento muito usado pelos brasileiros, com mais de 2 trilhões de reais investidos e 16,7 milhões de contribuintes.
  3. Existem dois tipos de planos: abertos e fechados. No geral os fechados tem menor taxa de administração, maior diversificação e melhor rentabilidade.
  4. A rentabilidade dos planos abertos não bateu o CDI de 2012 a agosto de 2021, as taxa de administração são altas, chegando a 1,3% em média.
  5. A maior parte do capital dos planos de previdência está na modalidade VGBL (78%), além disso, cerca de 80% do patrimônio está investido em renda fixa, sendo 64% em títulos do tesouro.

Sei que ainda não respondemos à pergunta que deu origem ao artigo, no entanto o post está relativamente longo. Vou dividí-lo em 2 partes para facilitar o entendimento, na próxima parte irei focar em uma análise com estudos de caso e trarei o racional financeiro para responder à pergunta: afinal, previdência privada (especialmente o PGBL) vale a pena?


Obrigado!


4 comentários:

  1. FIRE JOVEM,

    Acho que Previdência Privada é um instrumento interessante de investimento para o longo prazo no planejamento de pessoas que não tem o interesse ou a disponibilidade de tempo de procurar, estudar e fazer a gestão do patrimônio financeiro diretamente.

    Eu pessoalmente não invisto em Previdência Privada pois já tenho o meu próprio controle financeiro e gosto de cuidar eu mesmo da gestão do meu patrimônio.

    A única questão que as pessoas tem que analisar é que é um investimento para o longuíssimo prazo, é preciso entender o que se quer para a vida e o futuro pessoal e profissional. Por vezes uma correção de rota é complicado do ponto de vista tributário.


    Ansioso pela parte 2.

    Abraços,
    Pi

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fala PI,

      Concordo que para quem tem zero interesse em investimentos e pode obter algumas vantagens tributárias a previdência é um instrumento interessante, especialmente quando comparada com fundos de gestão ativa normais (e mais especificamente ainda os de renda fixa), já que ela possui vantagens tributárias de longo prazo (modelo regressivo, ausência de come-cotas e abatimento do PGBL).

      Mas também é chocante o fato do plano de previdência médio não ter batido o CDI de 2012 a 2021 levando em conta que 92,5% dos ativos destes planos estão em renda fixa. Neste cenário, mesmo alguém com zero interesse em investimentos poderia ter batido a rentabilidade dos planos com um simples investimento em tesouro selic ou um CDB de 100% do CDI.

      E, como você bem notou, há outros fatores além do financeiro (pessoal e profissional principalmente), muitas vezes as pessoas usam os planos de previdência como um seguro de vida para os filhos e família, o que é totalmente válido.

      Obrigado pelo comentário e por estar sempre por aqui,

      Grande abraço!

      Excluir
  2. Boa tarde FJ! Antigamente o PGBL ao meu ver não valia a pena dadas as altas taxas de administração. Após 2018, com a popularização dos fundos PGBL oferecidos por bancos de investimentos com taxas de adm próximas aos fundos normais, o PGBL passou a ser vantajoso considerando a vantagem tributária para quem faz declaração completa. No meu caso vale a pena. Se você pegar planos de gestoras boas, ao meu ver a tendência é que os fundos multimercados vençam o CDI no longo prazo (os meus até então estão cerca de 138% acima do CDI desde 2018 - sem contar o reembolso de imposto na declaração). Além disso, normalmente planos fechados de empresas oferecem algumas vantagens interessantes que aumentam bastante o ganho, como exemplo a empresa investir já sua previdência um valor igual ao valor que você alocar (na prática cada contribuição sua é dobrada). Dessa forma acredito que se vale ou não a pena depende muito das condições da pessoa.
    Grande abraço!
    VVI - vvibr.blogspot.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Opa, ótimo ver gente nova por aqui!

      Concordo com você, pra quem faz a declaração completa e tem um plano com taxas razoáveis o PGBL é uma ótima opção de investimento, mesmo que a rentabilidade seja um pouco menor a vantagem tributária já compensa a diferença.

      Você também tocou num ponto importantíssimo, quando a empresa patrocina o plano de previdência fica melhor ainda, é praticamente impossível bater a rentabilidade nesse caso uma vez que as empresas costumam adicionar +50%, +100% ou até +200% do seu aporte. É claro que há uma série de 'ses' aqui, mas pretendo comentar sobre este ponto na parte II.

      Eu tinha na cabeça que previdência privada não valia a pena em situação alguma, mas esse estudo que fez me fez abrir os olhos, em algumas situações ela é bastante interessante, especialmente com a maior consciência financeira (e melhores produtos) que temos visto.

      Grande abraço!

      Excluir



FIRE Jovem - Os Fundos de Gestão Ativa Brasileiros batem o Mercado? O Veredito - Parte III

  Olá, caros leitores, antes de mais nada peço que, caso não tenham visto, leiam os posts anteriores desta série. É importante lê-los para q...

Topo