Saudações aos velhos e aos novos leitores deste blog. Talvez alguns de vocês se lembrem que no fechamento mensal de agosto de 2021 eu comentei que havia iniciado um projeto para escrever um livro sobre independência financeira. Bom, o post de hoje é, basicamente, o primeiro capítulo do livro.
A ideia é esclarecer ao público mis leigo porque não devemos depender do INSS e porque devemos buscar a independência financeira dependendo dos nossos próprios recursos. Para os leitores já têm consciência sobre o assunto que abordarei, peço que leiam do ponto de vista de um leigo no assunto da independência financeira e, por favor, tragam seus comentários e críticas sobre o post (estou aberto a elas). Gostaria de que me ajudassem a responder o seguinte:
1) A linguagem está clara e suficientemente fácil para um público mais leigo?
2) Vocês sentem que os argumentos são persuasivos o suficiente para deixar claro que não devemos depender do INSS?
3) Dá vontade de ler o ques 'estaria por vir' no livro?
Vamos ao texto:
1. Por que ser Financeiramente Independente?
“A história não
se repete, ela gagueja” – Paris, 1968.
No Brasil, alcançar a independência financeira por
meio dos seus próprios investimentos e sem depender do governo não é uma
questão de busca pelo conforto, é uma questão de lógica. Existem duas
alternativas: construir um patrimônio e alcançar a independência financeira por
si só ou depender do incompetente governo brasileiro. Espero que até ao final
deste capítulo você se convença da escolha correta. Como veremos, o sistema
previdenciário brasileiro está projetado para vivermos com o mínimo necessário
para nosso sustento na aposentadoria. A cada nova reforma da previdência a
idade mínima para se aposentar se torna mais elevada e os benefícios de outrora
se esvaem.
A regra em vigor para trabalhadores urbanos do setor
privado no Brasil é a seguinte:
Mulheres |
Homens |
Idade mínima: 62 anos. Tempo de contribuição mínimo: 15
anos. |
Idade mínima: 65 anos. Tempo de contribuição mínimo: 20
anos. |
Cálculo do benefício:
Benefício = 60% da média de 100% dos salários
recebidos + 2% por ano de contribuição acima do tempo mínimo (15 anos para
mulheres e 20 anos para homens).
Teto do benefício (2021): R$ 6.433,57
Para que um trabalhador receba o teto do INSS é
necessário que todos os requisitos a seguir sejam cumpridos:
1) A média de 100% dos seus salários (todos os
salários desde o início da carreira) seja igual ou maior que o teto do
benefício.
2) O trabalhador deve ter ao menos 62 anos (mulheres)
ou anos (homens).
3) O trabalhador deverá ter contribuído por pelo menos
35 anos (mulheres) ou 40 anos (homens).
Ou seja, na melhor das hipóteses você receberá um
salário pouco acima de 6.000 reais depois dos 62 anos de idade, tendo trabalhado
(e contribuído com o INSS) por 35 anos, desde que a média de todos os seus
salários, contando o primeiro emprego, tenha sido maior ou igual ao teto do
benefício. Vale mencionar que o valor do teto é ajustado anualmente pelo INPC (índice
irmão do IPCA). Tenha em mente que somente os custos com plano de saúde hoje
são de 1.000 a 1.500 por mês para idosos (25% do teto da aposentadoria indo
embora!). E tudo isso considerando o maior benefício possível do INSS, o que por
si só é um sonho distante para a grande maioria dos brasileiros. Algumas
perguntas que podem vir à mente:
· Posso aposentar antes da idade mínima se meu tempo de
contribuição for grande? Não! Você
só poderá aposentar a partir da idade mínima, mesmo já tendo contribuído tempo suficiente
para atingir o teto.
· E se eu contribuir pelo tempo mínimo e me aposentar
assim que atingir a idade mínima? Neste caso você receberá 60% da média de todos os seus salários. O
benefício pago pelo INSS será 40% menor que a média dos seus salários, ou seja,
se você depender apenas do INSS seu padrão de vida irá diminuir
consideravelmente.
E isso tudo considerando que não teremos uma nova
Reforma da Previdência nos próximos 20 ou 30 anos, o que é bastante improvável.
Muito provavelmente as condições necessárias para aposentar quando os jovens de
hoje estiverem próximos dos 60 anos serão muito mais rigorosas. Sendo bem
simplista, a previdência brasileira funciona em um regime em que os
trabalhadores de hoje pagam os benefícios de quem está aposentado, assim, a
fatia do seu salário que é destinada ao INSS é usada para o pagamento dos
salários e benefícios de quem recebe o benefício do INSS atualmente. Este
modelo de previdência faz sentido em países (ou épocas) em que há muitas
pessoas trabalhando – e contribuindo com a previdência - e um número reduzido aposentados,
pois dessa forma há bastante gente contribuindo para sustentar, merecidamente, os
aposentados que já fizeram sua parte no passado. Esta talvez fosse a realidade
brasileira na segunda metade do século XX, mas hoje a história é outra.
De acordo com o IBGE, a esperança de vida do
brasileiro era de 63,1 anos¹ em 1970, já em 2014 esta marca estava em 75,1
anos². Paralelamente, a taxa de natalidade reduziu de 4,97 nascimentos por
mulher em 1970 para 1,73 nascimentos por mulher em 2018³. A expectativa de vida
aumentou 12 anos ao mesmo tempo em que as famílias passaram a ter, em média, 3
filhos a menos. A consequência óbvia é que a quantidade de aposentados deverá
aumentar substancialmente ao passo que a ‘reposição’ de trabalhadores novos é reduzida,
tornando muito difícil sustentar o modelo previdenciário. É muito provável,
quase inevitável, que novas reformas da previdência ocorram e que a idade
mínima da aposentadoria seja elevada a 67 ou 70 anos nas próximas décadas, sem
contar as prováveis mudanças no cálculo do benefício e retirada de direitos. Escolher
se aposentar pelo INSS sem um plano B é como apostar todas as suas fichas em
uma loteria com prêmio baixo, que demora muito tempo para ser recebido e com
tendência a diminuir conforme o tempo passa. Todo adulto com menos de 50 anos deve
estar preocupado com a aposentadoria, se você for jovem preocupe-se desde o seu
primeiro dia de trabalho, do contrário, deixará seu futuro nas mãos do governo
ou terá de ser sustentado pelos filhos, amigos e familiares. Pense bem antes negar
a sobremesa ao Enzo ou à Valentina.
A Tabela abaixo mostra o benefício mensal do INSS para
10 pessoas hipotéticas calculado bom base na regra previdenciária vigente em
2021 e de acordo com o salário médio ao longo da carreira, idade e tempo de
contribuição.
Tabela 1 – Benefício do INSS por Salário Médio, Idade e Tempo
Pessoa |
Salário Médio |
Idade |
Tempo de Contribuição |
Benefício Mensal |
Ana |
R$
7.000 |
62 |
15 |
R$ 3.860 |
Maria |
R$
9.000 |
62 |
20 |
R$ 4.503 |
Cecília |
R$11.000 |
62 |
25 |
R$ 5.147 |
Amélia |
R$ 15.000 |
62 |
35 |
R$ 6.433 |
Paula |
R$ 20.000 |
60 |
40 |
0 |
Rodrigo |
R$
7.000 |
65 |
15 |
0 |
Luiz |
R$
9.000 |
65 |
20 |
R$ 3.860 |
Pedro |
R$ 11.000 |
65 |
25 |
R$ 4.503 |
Antonio |
R$ 15.000 |
65 |
35 |
R$ 5.790 |
José |
R$ 20.000 |
60 |
40 |
0 |
Vejamos alguns destes casos: Paula e José têm mais de
60 anos, salário médio de R$ 20 mil mensais e contribuíram por 40 anos
seguidos, por tudo isso estas pessoas conquistaram o benefício mensal de 0
reais pelo resto da vida!
É chocante, mas esta é a situação de todos aqueles que
não atingiram a idade mínima (na prática em 2021 essas pessoas têm direito à
regra de transição, mas essa não será a realidade para os mais novos). O tempo
de contribuição não importa, se você trabalhar desde os 16 anos e pagar o INSS
todos os meses, não poderá se aposentar enquanto não atingir a idade mínima.
Agora vejamos os melhores casos da Tabela: Amélia e
Antonio têm idade mínima para aposentar, contribuíram por 35 anos seguidos e
terão direito a um salário de aproximadamente R$ 6.000 por mês. Não é um
benefício baixo, especialmente comparado à renda média do brasileiro. No
entanto, perceba que a média salarial deles antes da aposentadoria era de R$
15.000 e assim, no dia em que aposentarem, terão um corte de R$ 9.000 com
relação à média dos salários recebidos caso não gerem renda de outras formas.
Usar a média de 100% dos salários para calcular o
benefício é particularmente desanimador, a consequência prática é a certeza que
seu padrão de vida irá diminuir na aposentadoria caso dependa apenas do INSS. Isso
porque o benefício será calculado a partir da média de todos os seus salários
desde o seu primeiro emprego, ou seja, se você começou a trabalhar de forma
registrada com 18 anos e recebia o salário-mínimo, estes salários irão entrar
na conta para o cálculo do benefício final, jogando a média para baixo. Antes
da Reforma de Previdência de 2019 o benefício era calculado eliminando os salários
mais baixos, o que aumentava substancialmente o valor recebido.
Para que tenhamos uma ideia do impacto no padrão de
vida das pessoas que se aposentam dependendo unicamente do INSS, veja a gráfico
a seguir. Nele você encontrará a evolução do padrão de vida de 10 pessoas hipotéticas
que contribuíram dos 25 aos 65 anos, tendo direito ao benefício igual à média
de 100% dos salários ao longo da vida, limitado ao teto do INSS. Nesta
simulação vamos assumir que os salários aumentaram 2% acima da inflação anualmente
e a diferença do salário inicial foi de R$ 250 de pessoa para pessoa, sendo R$
1.000 o menor salário inicial (ou seja, o menor salário inicial era de R$
1.000, o segundo menor de R$ 1.250 e assim por diante).

Perceba que independentemente da faixa salarial, todas pessoas da simulação teriam um salário menor na aposentadoria comparado ao último salário recebido enquanto trabalhador ativo. Note também que quanto maior o salário recebido próximo da aposentadoria, maior o tombo da renda ao se aposentar. Não há alternativa, se quiser manter o padrão de vida após a aposentadoria será preciso complementar a renda do INSS de outras formas, seja com investimentos, aluguéis, previdência privada ou emprego em idade avançada.
Pense no seguinte: se você não deseja continuar
trabalhando até os 62-65 anos (ou 67-70 anos se você for jovem) você deve
assumir que não receberá nada do INSS. Sim, é isso mesmo! Se não quer
trabalhar até morrer o problema é seu, se vira, você só terá direito a
aposentadoria (em condições normais de saúde e não sendo parte dos regimes
diferenciados de professores, trabalhadores rurais, policiais ou funcionários
públicos) a partir da idade mínima de 62 anos para mulheres ou 65 anos para
homens, antes disso você não tem direito a absolutamente nada! Ou seja, se
você, por algum motivo, deseja se aposentar aos 45, 50, 55 ou mesmo 60 anos,
você não poderá contar com nenhuma renda do INSS até ter a idade mínima. Se a
aposentadoria antecipada for um dos seus objetivos, parta do princípio de que
você não receberá absolutamente nada do INSS e planeje-se de acordo*. Pode
parecer forçado da minha parte, mas esta é a realidade.
*Eu não estou
sugerindo que abandonar completamente o INSS seja uma boa ideia, se você
estiver próximo da idade mínima de aposentadoria (digamos de 1 a 15 anos) e já
tiver contribuído ao longo de toda vida (de forma obrigatória) será
financeiramente vantajoso continuar contribuindo até a idade mínima para não
desperdiçar os anos de contribuição anteriores. No entanto, existem pessoas que
planejam se aposentar tão cedo quanto 40 anos, neste caso o INSS não será de
muita serventia. De qualquer forma, você não terá direito a um tostão pelo INSS
enquanto não completar a idade mínima, caso ainda queira receber o benefício será
preciso continuar contribuindo pelos anos que faltarem até a idade mínima,
obtendo o dinheiro de outra fonte de renda que não o trabalho formal.
1. Dados do
IBGE - Consulta disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=POP209 (acesso em
junho de 2021).
2. Dados do
IBGE - Consulta disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1174 (acesso em
junho de 2021).
3. Dados do
Banco Mundial – Consulta disponível em: https://datatopics.worldbank.org/world-development-indicators/ (acesso em
junho de 2021).
Fire Jovem,
ResponderExcluirParabéns pelo ótimo estudo sobre a Previdência Estatal Brasileira.
Infelizmente acredito que nem 1% da população economicamente ativa desse país e com menos de 50 anos de idade parou para pensar nos problemas que enfrentará para se aposentar.
Existem dezenas de milhões de brasileiros que não tem nenhum instrumento de geração de renda ou patrimônio além do próprio salário, a maioria bancando hoje um custo de vida muito acima da realidade que vai encarar quando se aposentar. Por sorte aqui na finasfera a maioria de nós já mostrou que tem uma mentalidade diferente.
O meu maior medo no futuro é que o governo resolva tirar de nós que estamos tentando ganhar uma liberdade para dar para pessoas que poderiam ter feito algo (mas nunca fizeram) a respeito da própria velhice.
Abraços,
Pi